Fibrilhação Auricular
- EmergenciasUNO
- 11 de jun.
- 3 min de leitura
MANUAL DE EMERGÊNCIAS 2025
A fibrilhação auricular (FA) é definida como uma atividade auricular rápida, irregular e descoordenada, associada a uma resposta ventricular irregular.
Reconhecimento e Avaliação
Os sintomas de FA (por ordem crescente de gravidade/urgência) podem incluir:
Palpitações
Dispneia
Dor torácica
Tonturas
Síncope
Paragem cardiorrespiratória
Sinais possíveis de FA:
Frequência cardíaca <60 ou >100 bpm
Hipotensão (pressão arterial sistólica <100 mmHg)
Hipoperfusão
Pressão venosa jugular (PVJ) elevada
Ondas “canhão” ou “flutter” na veia jugular interna
Intensidade variável do primeiro som cardíaco
Sinais de insuficiência cardíaca
Exames complementares principais:
ECG de 12 derivações (registo de uma única derivação é inferior, mas melhor do que nenhum)
Análises: eletrólitos séricos (U&E) com urgência
Causas
A FA aguda pode estar associada a:
Doença isquémica cardíaca (33%)
Insuficiência cardíaca (24%)
Hipertensão arterial (26%)
Valvulopatias (7%)
Outras causas cardíacas: síndrome do nódulo sinusal, pericardite, cardiomiopatias, miocardite, doenças cardíacas congénitas e pós-cirurgia cardíaca.
A FA também pode ocorrer em isquemia/infarte mesentérico.
Diagnóstico Diferencial
Um diagnóstico diferencial essencial é a síndrome de Wolff-Parkinson-White (WPW), que pode manifestar-se como FA.
No WPW, os complexos QRS são pré-excitados (largos e bizarros), com resposta ventricular muito rápida e tendência a degenerar em flutter e fibrilhação ventricular.
O flutter auricular típico apresenta uma frequência de 300 bpm. Um bloqueio 2:1 produz uma frequência ventricular de 150 bpm; bloqueios variáveis causam resposta ventricular irregular.
Taquiarritmias com QRS largo podem ser causadas por:
Taquicardia ventricular (TV)
Raramente, taquicardia supraventricular (TSV) com condução aberrante
FA com bloqueio de ramo ou FA pré-excitada
Características Clínicas
A FA reduz o débito cardíaco em 10–20%, independentemente da frequência ventricular.
A apresentação clínica varia conforme a etiologia e os efeitos da FA — desde assintomática até complicações potencialmente fatais (insuficiência cardíaca, angina).
Pacientes com doença isquémica cardíaca podem desenvolver isquemia durante episódios de resposta ventricular rápida.
A FA é uma causa comum de eventos tromboembólicos, como AITs (acidentes isquémicos transitórios).
Abordagem de Emergência
O tratamento de urgência depende do estado clínico do doente e da duração da FA.
Se o doente estiver em paragem iminente, deve seguir-se o algoritmo de Suporte Avançado de Vida (SAV).
Em presença de choque, síncope, insuficiência cardíaca aguda ou isquemia, considerar cardioversão elétrica sob sedação.
Se a FA teve início há <48h (controlo do ritmo):
Objetivo: restabelecer ritmo sinusal de imediato
Solicitar avaliação urgente por cardiologia
Administrar anticoagulação (DOACs, heparina de baixo peso molecular ou heparina IV não fracionada), se não houver contraindicações
Proceder a cardioversão elétrica (CCV) ou farmacológica (amiodarona, flecainida ou propafenona)
Atenção: fármacos exceto amiodarona apresentam risco de proarritmia
Amiodarona é mais segura em cardiopatas
Se a FA dura ≥48h ou com duração desconhecida (controlo da frequência):
Existe risco de tromboembolismo e AVC com cardioversão
Controlar frequência ventricular e iniciar anticoagulação IV ou SC
Após exclusão de WPW:
Fármacos para controlo da frequência:
Betabloqueantes:
Bisoprolol 2,5–10 mg ou Atenolol 50–100 mg/dia VO
Metoprolol 5 mg IV
Se contraindicados ou sem IC sistólica, considerar antagonistas dos canais de cálcio:
Verapamilo 40–80 mg 8/8h ou
Diltiazem SR até 300 mg/dia
Digoxina: eficaz em repouso, mas não durante esforço
Fármaco de eleição em insuficiência cardíaca congestiva (ICC)
Outras opções (em casos específicos):
Bradicardia com bloqueio AV: considerar isoprenalina IV, adrenalina IV, aminofilina, dopamina ou glucagom (em casos de sobredosagem com BB ou antagonistas do cálcio)
Abordagem Crónica / Seguimento
Anticoagulação:
Avaliar profilaxia tromboembólica de longa duração com DOAC ou varfarina para todos os pacientes com FA sustentada ou paroxística, com base na pontuação CHA₂DS₂-VASc
Avaliar risco hemorrágico com ORBIT score e fatores de risco (IC, LVEF <40%, hipertensão, INR instável, álcool, AINEs)
Pontuações elevadas não contraindicam anticoagulação, mas exigem vigilância apertada
Em doentes com AVC/AIT e FA: iniciar anticoagulação se clinicamente seguro (adiar conforme gravidade do AVC)
Referenciar à cardiologia os doentes com CHA₂DS₂-VASc ≥1 e contraindicação à anticoagulação
Controlo da Frequência (FA crónica):
Preferir bisoprolol ou atenolol VO
Se sem IC sistólica, considerar verapamilo ou diltiazem SR
Digoxina útil apenas em repouso
Restauração e manutenção do ritmo sinusal:
Se o ritmo sinusal for restaurado após episódios recorrentes sem fator precipitante claro, considerar terapêutica profilática a longo prazo
Terapia de Ablação:
Indicada em:
Todos os doentes com síndrome de WPW
FA persistente com controlo de frequência insatisfatório
FA recorrente em doentes sob antiarrítmicos
FA paroxística sintomática
Referência a cardiologista eletrofisiologista
Alerta sobre interações medicamentosas:
Evitar combinar múltiplos antiarrítmicos (ex.: BB, diltiazem, verapamilo)
No Síndrome de WPW com FA:
Nunca administrar digoxina, verapamilo ou adenosinaEstes bloqueiam o nó AV, podendo acelerar a condução pela via acessória e causar colapso cardiovascular ou fibrilhação ventricular
Solicitar apoio especializado de urgência
Objetivo: restabelecer ritmo sinusal com flecainida ou cardioversão elétrica
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