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Distúrbios Hemorrágicos

MANUAL DE EMERGÊNCIAS 2025



Contacte um hematologista sempre que tratar um doente com um distúrbio hemorrágico conhecido ou suspeito


A hemostase requer a coordenação entre o sistema vascular, as plaquetas e as vias de coagulação para limitar a perda de sangue da circulação.


As plaquetas interagem com o subendotélio vascular, formando um tampão plaquetário primário, que é reforçado por filamentos de fibrina entrecruzada formados através da cascata de coagulação, permitindo a restauração da integridade vascular.


Os sistemas fibrinolíticos evitam a formação excessiva de coágulos e a trombose inadequada, local ou generalizada, promovendo a lise da fibrina.


Reconhecimento da Hemorragia


Espera-se hemorragia após um trauma ou ferida, mas deve-se suspeitar de um distúrbio hemorrágico se:


  • Ocorrer hemorragia espontânea


  • Existir hemorragia excessiva em múltiplos focos


  • Hemorragia sem presença de lesão evidente


  • Hemorragia em tecidos profundos ou articulações


  • Hemorragia com atraso de horas ou dias


Os distúrbios hemorrágicos podem ser congénitos ou adquiridos. Investigue antecedentes de hemorragia prévia após trauma, procedimentos dentários ou cirurgias, bem como história familiar.


Distúrbios congénitos incluem Hemofilia A (deficiência do Fator VIII), Hemofilia B (deficiência do Fator IX) e a Doença de von Willebrand.


A maioria dos adultos com distúrbio congénito conhece a sua condição e possui cartão nacional de hemofilia ou pulseira Medic-Alert com detalhes. Estes doentes geralmente fornecem informações muito úteis sobre o seu estado.


Distúrbios adquiridos podem resultar de doença hepática, uremia, uso de fármacos (perguntar especificamente sobre aspirina, AINEs, varfarina, anticoagulantes, álcool) ou condições subjacentes não diagnosticadas como neoplasias hematológicas.


A hipotermia, independentemente da causa, agrava qualquer tendência hemorrágica.


O local da hemorragia pode sugerir a etiologia:


  • Problemas plaquetários (geralmente trombocitopenia): hemorragia mucocutânea (epistáxis, hemorragia gastrointestinal, geniturinária, menorragias, equimoses, púrpuras e petéquias)


  • Hemorragias articulares ou em espaços profundos e hemorragia retardada: mais frequente com défices dos fatores de coagulação


  • Hemorragia mucocutânea associada a sangramento profundo: pode indicar anomalia combinada de plaquetas e fatores, como na coagulação intravascular disseminada (CID)


Exames Complementares


  • Hemograma completo: em hemorragias agudas, os valores de hemoglobina e hematócrito podem não refletir imediatamente a gravidade da perda sanguínea, devido à hemodiluição.


  • Contagem de plaquetas <100 × 10⁹/L sugere trombocitopenia; <20 × 10⁹/L está associado a risco de hemorragia espontânea. Hemorragia pode ocorrer mesmo com contagem normal se a função plaquetária estiver comprometida (ex. aspirina, clopidogrel).


  • Tempo de protrombina (INR): usado para monitorizar anticoagulação com antagonistas da vitamina K; prolongado em doença hepática.


  • Tempo parcial ativado de tromboplastina (APTT): avalia a via intrínseca e comum da coagulação (exceto fatores VII e XIII).


  • Dosagem de fatores específicos e pesquisa de inibidores de anticorpos podem ser necessárias se houver prolongamento anormal dos testes.


Tratamento Geral


  • Trate feridas e fraturas de forma habitual, mas considere administração prévia/simultânea de concentrados de fatores ou plaquetas conforme orientação da Hematologia.


  • Hemorragia espontânea ou traumática no pescoço/faringe pode causar obstrução rápida das vias aéreas.


  • Suspeite sempre de hemorragia intracraniana em doentes com cefaleia, sintomas neurológicos ou traumatismo craniano, mesmo ligeiro; considerar TAC craneano.

  • Evite administração intramuscular.


  • Evite punção de acesso venoso central, salvo em casos extremos, devido ao risco de hemorragia incontrolável.


  • Antes de qualquer medicação, verifique se agrava a condição ou interfere com outros tratamentos.


Condições Específicas


  • Lesões vasculares hereditárias: síndrome de Ehlers-Danlos, pseudoxantoma elástico, osteogénese imperfeita, telangiectasia hemorrágica; adquiridas: uso de esteroides, infeções, púrpura trombocitopénica trombótica, vasculites, escorbuto.


  • Distúrbios plaquetários: hemorragia mucocutânea é comum, geralmente após lesões capilares ou cirurgias (ex: extrações dentárias). Contagem de plaquetas pode ser normal ou baixa. Trombocitopenia adquirida pode resultar de fármacos, toxinas, infeções, doenças autoimunes, CID, ou transfusões massivas. Disfunção plaquetária ocorre com uremia, doenças mieloproliferativas e fármacos (aspirina).


  • Distúrbios da via de coagulação: predominam nos homens. Causam hematomas profundos musculares ou de tecidos moles, e hemorragia tardia (2-3 dias após trauma).


  • Doença de von Willebrand: distúrbio hemorrágico congénito mais comum; envolve défice do fator VW e VIII e função plaquetária alterada. Clinicamente semelhante a um distúrbio plaquetário, mas geralmente mais ligeiro. Tratamento habitual com concentrado de fator VIII (com fator VW).


  • Hemofilia A: causada por défice funcional de fator VIII, necessário para a formação do coágulo. Apresenta-se com hemorragia em músculos profundos, grandes articulações ou trato urinário. Hemorragia intracraniana é causa major de morte em todas as idades, podendo ocorrer até 3 dias após o trauma.


  • Hemofilia B (doença de Natal): défice do fator IX. Clínica e geneticamente semelhante à Hemofilia A, porém menos frequente. Tratamento com concentrado de fator IX.

 
 
 

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